quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Algumas reflexões sobre a minha formação docente

Oitavo semestre de Pedagogia. Um considerável caminho já percorrido, ainda que apenas o início de uma longa e infindável jornada de tornar-se um educador . Em parte um alívio, uma gostosa sensação de um desafio quase vencido, no que diz respeito a conclusão do curso; em outra, um certo temor e muitos receios, próprios de quem conheceu o tamanho da responsabilidade que tem sobre os ombros, de quem discutiu e presenciou inúmeros obstáculos e desafios da prática educativa, que exigem do educador competência técnica, espírito investigativo –inovador e, sobretudo, compromisso.
Lembro-me, com precisão, das dúvidas que eu tinha sobre que profissão seguir. Do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, mudei várias vezes de opinião, ora por influência de familiares, ora por me sentir atraída por atividades específicas, como a pesquisa em laboratório de algumas substâncias químicas, mais especificamente: o manuseio de tubos de ensaios borbulhando, saindo aquela fumacinha, que eu considerava fantástica. E como também adorava Biologia, tomei e mantive por um bom tempo a decisão de cursar Bioquímica.
No segundo ano do ensino médio, a experiência que tive em duas disciplinas marcou profundamente a minha formação, fazendo-me mudar mais uma vez a decisão sobre que profissão exercer e aproximando-me da Pedagogia. Sociologia e Relações Humanas, eram as disciplinas, ministradas por um educador com características raras e admiráveis: O professor Normando Carneiro. A sua leitura crítica da sociedade e o seu empenho em fazer com que nós nos percebêssemos sujeitos históricos faziam de suas aulas momentos intrigantes, desmistificadores da realidade que nos cerca. A sua intenção era justamente nos fazer perceber que a realidade não era fruto do acaso ou exatamente da vontade divina, mas sim das ações dos homens.
Marcou-me especialmente, o dia em que ele apresentou para a turma o livro: “Cuidado! Ali tem uma escola”. Aquele título gerou certo espanto e muita curiosidade. Ora, que perigo pode representar a escola? (pensava na minha ingenuidade). Após fazermos a leitura do livro “Sociologia Crítica”, de Pedrinho Guareschi e algumas discussões acerca dos aparelhos ideológicos do Estado, fui superando a minha ingenuidade e começando a perceber que a estrutura social vigente, marcada pela desigualdade e exclusão geradas pelo capitalismo, nada mais é que um dos possíveis modelos de sociedade, sustentado por mecanismos de controle e reprodução dentre os quais se destaca a escola, projetada para inculcar e legitimar a ideologia dominante.
A partir de tais compreensões confesso que já não me sentia mais atraída pelos tubos de ensaios. Neste momento, passei a me questionar, inclusive, a serviço de quem estava a ciência e toda a tecnologia desenvolvida por ela. Certamente, fora dos laboratórios eu iria pensar na injusta realidade social construída pelos homens e que nós temos mantido, na qual alguns detêm o poder e fortunas enquanto milhões são explorados e vivem na miséria. Lembrando, ainda, o papel estratégico que assume a educação neste processo, podendo, a depender de como é conduzida, colaborar para a manutenção ou ruptura da ordem vigente, sendo poucos os que ousam educar para ruptura. Foi então que me encontrei nas ciências humanas, pensando, a princípio, em cursar Sociologia; mas, como a UESB Campus de Jequié não oferecia este curso e eu não poderia cursar em outro lugar, optei pelo curso de Pedagogia, por ser o que mais continha a discussão sociológica e com o qual eu mais me identificava.
Logo nos primeiros semestres tive a certeza de que fiz a escolha certa. As disciplinas de História, Filosofia e Sociologia da educação já denunciavam o caráter ideológico da educação e a sua relevância em qualquer projeto de sociedade, seja de manutenção ou de transformação. O entendimento básico a ser alcançado, em suma, era: A educação não é, nunca foi, nem pode ser neutra, pois toda ação educativa é uma ação política. Essa é a alerta que nos faz Gadotti, no prefácio do livro Educação e Mudança, de Paulo Freire (1979): “... se a educação, notadamente a brasileira sempre ignorou a política, a política nunca ignorou a educação.
De posse desse entendimento e com a colaboração dos conhecimentos construídos durante as disciplinas de Psicologia da Educação, debruçamos sobre o estudo da Didática, conhecendo as tendências pedagógicas existentes até então, a validade de aplicação de cada proposta e suas implicações políticas. Tal estudo foi de fundamental importância para que eu compreendesse que o ato de educar não pode estar baseado no “achismo” ou em açõesespontaneístas”, desprovidas de rigor técnico e senso crítico. Pareceu-me claro que como educadora não poderia deixar de posicionar- me, optando por um projeto de educação com fins específicos, pautado numa prática coerente a estes fins. Dentre as possibilidades, identifiquei-me e sempre procurei suporte na Pedagogia Libertadora do grande mestre Paulo Freire, que sempre alertou para o fato de que ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. E, a este respeito, salienta:
Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto ou aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. (...). Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da boniteza de minha prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar...(1996, p. 102-103).
Após fazer a minha opção política, restava-me ainda aprofundar os estudos sobre a área específica em que devo atuar, que aborda a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental. Para tanto, grande foi a contribuição das disciplinas Educação Infantil e Práticas Pedagógicas em Educação Infantil, por salientar as peculiaridades desta modalidade de ensino e a necessidade de um trabalho pedagógico especial a ela destinada. Destaco também a contribuição das disciplinas de Psicologia da Educação para a compreensão da aprendizagem e desenvolvimento das crianças, sobretudo, as teorias da aprendizagem significativas de Ausubel e Bruner, e as teorias pcicogenéticas do desenvolvimento, sob as óticas de Piaget, Vygotsky e Wallon. O domínio de tais conhecimentos foram de fundamental importância para minha formação e para a orientação da minha prática durante o estágio em Educação Infantil, momento crucial, no qual tive a oportunidade de assumir pela primeira vez uma sala de aula e de, ali, buscar estabelecer a tão discutida relação teoria-prática e, a partir desta, planejar, exucutar, avaliar, e reelaborar (sempre que preciso) o meu fazer pedagógico.
Certamente, toda a bagagem teórica e prática construída ao longo desta minha caminhada será aliada às contribuições e orientações fornecidas no decorrer da disciplina Práticas Pedagógicas nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, formando a base norteadora da prática que irei exercer ao assumir novamente uma sala de aula durante mais este estágio, agora nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental; experiência que, por sua vez, trará novas contribuições a minha formação docente. Daí a lógica do tornar-se um educador, uma educadora: a capacidade de processar-se....de crescer pessoal e profissionalmente a cada dia...a cada experiência, na busca constante pelo crescimento. Como afirma Fávero (1981), “... a formação do educador não se concretiza de uma só vez. É um processo.” E daí a beleza de ser um educador, uma educadora: nesta constatação de que somos inacabados, mas que podemos sempre buscar uma maior completude, dada a nossa capacidade ontológica de sermos sujeitos de mudança. É conscientes disto e buscando isto que humanizamos e damos significância à nossa ação docente.